Temporais e o que sobressai

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Escrever para mim, de tempos para cá, deixou de ser opcional. Essencial se tornou. Uma tradução do que seja. Uma impressão do que vive. Colecionar o que excede questionando o que se coleta. E, por mais saudoso das letras, o tempo... Escolhi-o como culpado. Como de praxe.

Mas o tive para gastá-lo. Sobre-utilizá-lo. Super-estimá-lo. Até escolher perdê-lo. Logo o quê?

(Aproveito e pergunto quando vou conseguir enganar-me. Eis uma arte a se dedicar tempo. Enganar-se é quase como sobressair a si. Engodar o próprio eu que procura se elucidar. Confuso? Engana-se.)

Mas ao invés de acusar o tempo, penso novamente em outros culpados. E, como por muitos mal-do-século, tudo pode ser atribuído ao fato de ser gay, vou esforçar-me em culpá-lo. Enganando-me. Ou tentando apenas. E, dentro dos mais absurdos esforços, questiono-me: será que neste mundo de faces e festas, acabamos nos diluindo e perdemos aquilo que realmente nos importa?

Facilidades para isso são muitas. Há o frívolo. Os. O que entretém embora não contenha. Há a música que faz calar a voz, o álcool que entorpe o dissabor e o colo que aquece a noite. Existe o cansaço do fim da noite que não acaba, o sono que torna-se apenas intervalo e o ciclo que insiste em insistir.

Mas nada disso é ruim. Não necessariamente. Não se vier acompanhado. Não de outrem. Mas dela. A verdade. A sua. Estas que serão sempre suas respostas. As que lhe ladearão. Companheiras.

Afinal quais são as suas? O que lhe compõe? O que lhe mantém?

Não há necessidade de personagens. Nossas festas não são a fantasia. Não há prioridade para disfarces: não há determinismo que implique em algo assim. Temos que admitir que raso é raso. No mundo/local/meio que for.

O problema talvez seja procurar essência em festejos. Em outros. Completar-se com o que só acoberta.

Há tempo porém. De sobra. Para tudo. Parar tudo: eis-me aqui. E isso é motivo mais que suficiente para festejar. Afinal, que horas a folia começa?

Espaços de nós e o que nos cerca

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Ando refletindo muito sobre o real significado do aclamado “mundo gay”. Existe de fato esse universo apartado, essa facção social, ora chamada de gueto, e hoje ainda um refúgio?

Não falo de clubes noturnos. Nem dos bares ou empreendimentos particularizados. Mas sobre algo maior que isso. Um modo de vida talvez? Impossível definir sem cair na ignorância dos estereótipos. Talvez seja o conjunto das atitudes? Ou haveria realmente o gay criado seu espaço?

Prefiro pensar que o garantiu dentro da amplitude em que vivemos.

Como esse universo foi criado, a que passos evolui e que regras atualmente segue continua para mim um mistério. Mesmo eu que, embora tenha esperneado, acabei cedendo. Me alojei na comodidade dos meus iguais. Na liberdade do olhar sem culpa. E no conforto do poder acontecer.

Há quem confunda essa opção de liberdade com fraqueza. Ou diminuição: ter que se separar para ser feliz. Mas já não há desde sempre uma separação imposta? Olhares fulgares, fugas constantes. Fingir.

Porque frequentar uma boate própria é muito mais do que fuga: é aceitação. É não negar o que se é, é autenticar o que se quer. Confessar sua opção. Confirmação.

Daí a isolar-se em ambientes exclusivamente homoeróticos é outro assunto. Transformar essa liberdade em paredes sine quibus non. O que se torna indispensável, limita. E já bastam de limitações.

Isto implica concomitantemente não se utilizar armaduras ou personagens ao frequentar outros locais – os locais “caretas”. Há regras, isto é claro. E não podemos, gays ou não, querer nos impor sobre os outros: somos iguais, não melhores. Chama-se civilidade. Não precisamos, porém, modificarmo-nos para melhor passar. Tornarmo-nos padrões. Isto é o mundo. Chama-se diversidade.

Mas será esse tal de “mundo gay” uma casa de braços abertos a todos aqueles que dele precisam? Uma fraternidade unida por laços? Ou há um preço a se pagar por tudo isso?

Tantas perguntas só refletem a velha e constante dúvida: onde eu me encaixo? A que eu pertenço? O que me pertence?

E tais respostas nunca se encontram em mundos ou nos outros. Mas em si. Antes de gays, sejamos humanos. E nos cabe, em nosso dia-a-dia, trabalhar para construir aquilo que acreditamos válido. Antes de julgar o posto, julguemos o que nós postamos. E assim, pequeninamente, construamos nosso mundo. Um harmônico. Verdadeiro. Melhor.

Pessoas do céu e gente da noite

domingo, 6 de julho de 2008

É só mais um rótulo. Um dos milhares que existem. Mais outro desses que insistem em estampar defronte sua cara: Aviso - ele é gente da noite!

Tal título podia ser confundido com alguém taciturno. Quem sabe ao contraponto da experiência: uma certa amargura, já ter passado por tantas decepções que se bloqueara às novas tentativas. Ou o oposto, contaminar-se noite após noite do excesso de oferta nas vivências perdidas que o noturno contém. Rodar de braços em braços festas e festas adentro.

Mas não: são pessoas. Nem o simples, nem o complexo. Apenas o ser. Ser quem se é, fazer-se o que se tem direito e não esconder a cara ou sentir-se diminuído por causa disso.

Fica, porém, o questionamento. Por que quem não esconde a cara e permite-se ser quem verdadeiramente é torna-se alvo constante de críticas, pré-julgamentos ou preconceitos pelos os que não o fazem? Ou melhor, por aqueles não o conseguem fazer?

Talvez porque incomodem. Pertubem a paz por simplesmente estarem. Importunam por o serem. E o que é real transfoma-se em insulto aos disfarces alheios.

Seus passos, outrora seus, animam agora conversas ao pé d’ouvido. É como cedessem parte da sua vida ao público. Sinal que vida eles têm de sobra. Tornam-se públicos sem nem, muitas vezes, terem consciência disto. E, mesmo volutariando-se a tal posição, já pagam por isto sua parcela.

Que apontar o dedo e fazer julgamentos baseados na superficialidade é uma regra de pessoas menos perspicazes, não há dúvidas. Não seria diferente no universo gay. Tais mesquinhos merecem o título que acabam recaindo sobre todos nós – o da superficialidade. Sentenciam o complexo humano ao trivial trio aparência, apetrechos, status.

Existem, porém, os bons. Os régios. E são muitos. Mais do que a campanha adverte. E ao invés de contaminarem-se dessa maldade, endurecerem ou amargurarem-se, preservem a luz. Porque, apesar de muitos tentarem, autenticidade não pode ser facilmente apagada.

E para aqueles cuja única essência conhecida deriva dos eaux de parfum, fica o conselho: parem e observem sim. Mas aprendam como se faz. E melhorem.

Algum orgulho e algo como preconceito

terça-feira, 1 de julho de 2008

Havia música. Gente. Cores. Mas uma sensação de incômodo insistia em permanecer. Era como uma tensão que precede uma agressão. Eu estava ali, cara à tapa. E me senti fragilizado. Como se estivesse dando armas a quem quisesse me ferir. E me via culpado por me encontrar assim. Afinal, era um dia de orgulho. Mas eu me sentia desprotegido, como se a felicidade de ser quem eu era não bastasse. Sim, eu precisava que os outros deixassem eu ser feliz.

E eu estava rodeado de amigos. Caras conhecidas e queridas. Estava amparado. Mesmo assim certo temor persistia: e se? E imaginei como não deve ser esse medo dentro daqueles que assistiam, mas não participavam. Dos muitos que nem chegaram a ir. E até dos machos-alfa que já preparavam as piadas infames a se fazer com seus amigos de fachada para melhor passar. E era um dia de orgulho.

Diante de tantos disfarces, barreiras e temores, o que deveria significar a comemoração de um dia do orgulho gay?

Afinal encobrir-se contrapõe o amor-próprio. E eram muitas as máscaras desfilando: literais e não. Esconder a face pareceu uma boa solução para vários. A lição então, pensei eu, é aprendida antes mesmo de assumir-se: para ser capaz de festejar o que se é ou mesmo frequentar um local onde prevalecem aqueles com o mesmo sentimento, deve-se esconder quem se é, para evitar dores. Será?

Não acredito em uma única resposta ou uma única realidade. Mas acredito extremamente no individual. No indivíduo. Vejo em cada um que ali estava verdadeiramente comemorando, essencialmente sendo o que era, motivo mais suficiente de sentir-se orgulhoso. Se não por mim, por aqueles que já conseguiram isso. São meus iguais. E lutam por mim. Sim, batalham por cada um de nós. Se não consigo ter orgulho, que pelo menos eu tenha vergonha da vergonha. E a minha culpa de sentir-me assim e todas as outras, carrego eu. Creio, porém, que pagamos todos um preço por ela.

A questão resida, talvez, em quando vamos nós lutarmos por si mesmo. Quando faremos nossa parte nesse imenso processo que é impor-se a um mundo majoritariamente diferente.

E a parada talvez sirva pra isso. Para que todos aqueles trancafiados dentro de suas autoprisões possam perceber por alguns minutos como é ser livre das amarras alheias. E que este breve despudor possa contaminar almas afora e, quem sabe, dar-lhes a coragem para viver bem mais que um só dia por ano.

Sobre uma verdade e qualquer essência

quarta-feira, 25 de junho de 2008


Iniciar nunca é fácil. Principalmente sendo você uma exceção. Se seus pensamentos vão de encontro ao senso-comum. Se suas atitudes colidem com o assim chamado estado de normalidade vigente. Ou se seus sentimentos – os quais são, para seu tormento, inadaptáveis – transformam-no em um erro, uma piada ou um pecado.

Acho que foi assim que me senti por grande parte da vida ao nutrir sentimentos por homens. Absorvi tanta culpa alheia que talvez não tive nem tempo para nutrir minha própria. Escondi por tanto tempo minha face encaixando-a em moldes menos dolorosos, que sempre me via como disforme. Até que finalmente um dia vem a grandiosidade da mudança – seja através da coragem, da satisfação imediata ou de um sentimento fugaz. E você está livre. Livre dos outros. Finalmente se encontra a vida: sua vida. Aquela outrora levada tortuosamente, minguada pelo remorso, adaptada pela consideração.

E iniciar um texto é como passar pelo mesmo processo. Se libertar das amarras e transpor-se.

Mas em um mundo onde cada luta é individual e os ganhos são comemorados parcimoniamente temorosos pelo alheio, por que divulgar e compartilhar sentimentos?

Textos são pontos de vista. Apenas isso: uma determinada visão sobre fato dado. Não se há a pretensão de uma opinião universal, muito menos a mais correta sobre certo assunto. E para que escrever? Talvez nossa versão não seja universal, mas nem por isso torna-se menos válida. Afinal, a minha verdade rescende de mim. E a sua?

Mas a intenção de se escrever sobre o mundo homoerótico volta e meia retorna. E vejo-me lembrando de me referir ou de a ele formatar as idéias. Mas será que ao tratar essencialmente de verdades neste meio há uma diferenciação a fazer? Existem peculiaridades a se ressaltar?

Já ouvi demais que sim. Porque quem entra nesse mundo se perde. Que este meio não presta. E que manter-se de fora seria o correto. Verdade? Muitos momentos fazem-me crer que sim. Principalmente ao avistar pessoas que deixam o estereótipo gay-fútil-mau-caráter no chinelo. Pessoas estas que por ser, não quem – seria demais para elas, mas o que são conseguem em um único lance deteriorar o meio em que vivem e evitar sua renovação.

Na outra ponta, porém, vemos os covardes. Que esquecem que o todo deriva de suas partes, do individual. E se recusam a dar a cara a tapa para valorizar aquilo que todos somos, perante os seus e outros olhares.

Creio que tal dualidade me relembra um dos motivos para escrever estes textos: a participação. Tentar fazer-me parte de meu próprio mundo. Pincelar princípios por onde se passe. Incentivar atos, reflexos ou reflexões. E, mais que tudo, apenas ser. Ser o que sou e o que sou capaz de ser. Sempre dentro do que para mim, é ou pode-se tornar, essencial e verdadeiro.

Algo como um começo

sexta-feira, 20 de junho de 2008

"O outro fez um movimento como se fosse falar, mas ele o deteve.

- Sei, sei. Você vai perguntar: mas houve um erro? Bem, não sei se a palavra exata é essa, erro. Mas estava ali, tão completamente ali, você me entende? No segundo seguinte, você ia tocá-la, você ia tê-la. Era tão. Tão imediata. Tão agora. Tão já. E não era. Meu Deus, não era. Foi você que errou? Foi você que não soube fazer o movimento correto? O movimento perfeito, tinha que ser um movimento perfeito. Talvez tenha demonstrado demasiada ansiedade, eu penso. E a coisa se assustou, então. Como se fosse uma fruta madura, à espera de ser colhida. É assim que vejo ela, às vezes. Como uma coisa parada, à espera de ser colhida por alguém que é exatamente você. Não aconteceria com outro. Depois, quando ela foge, penso que não, que não era uma fruta. Que era um bicho, um bichinho desses ariscos. Coelho, borboleta. Um rato. É preciso cuidado com o arisco, senão ele foge. É preciso aprender a se movimentar dentro do silêncio e do tempo. Cada movimento em direção a ele é tão absolutamente lento que o tempo fica meio abolido. Não há tempo. Um bicho arisco vive dentro de uma espécie de eternidade. Duma ilusão de eternidade. Onde ele pode ficar parado para sempre, mastigando o eterno. Para não assustá-lo, para tê-lo dentro dos seus dedos quando eles finalmente se fecharem, você também precisa estar dentro dessa ilusão do eterno."

(Caio Fernando Abreu - Pela Noite)

E assim, como um bicho arisco, procurando cortar o silêncio e meio perdido numa ilusão de coisas eternas, inicio este blog.