Espaços de nós e o que nos cerca

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Ando refletindo muito sobre o real significado do aclamado “mundo gay”. Existe de fato esse universo apartado, essa facção social, ora chamada de gueto, e hoje ainda um refúgio?

Não falo de clubes noturnos. Nem dos bares ou empreendimentos particularizados. Mas sobre algo maior que isso. Um modo de vida talvez? Impossível definir sem cair na ignorância dos estereótipos. Talvez seja o conjunto das atitudes? Ou haveria realmente o gay criado seu espaço?

Prefiro pensar que o garantiu dentro da amplitude em que vivemos.

Como esse universo foi criado, a que passos evolui e que regras atualmente segue continua para mim um mistério. Mesmo eu que, embora tenha esperneado, acabei cedendo. Me alojei na comodidade dos meus iguais. Na liberdade do olhar sem culpa. E no conforto do poder acontecer.

Há quem confunda essa opção de liberdade com fraqueza. Ou diminuição: ter que se separar para ser feliz. Mas já não há desde sempre uma separação imposta? Olhares fulgares, fugas constantes. Fingir.

Porque frequentar uma boate própria é muito mais do que fuga: é aceitação. É não negar o que se é, é autenticar o que se quer. Confessar sua opção. Confirmação.

Daí a isolar-se em ambientes exclusivamente homoeróticos é outro assunto. Transformar essa liberdade em paredes sine quibus non. O que se torna indispensável, limita. E já bastam de limitações.

Isto implica concomitantemente não se utilizar armaduras ou personagens ao frequentar outros locais – os locais “caretas”. Há regras, isto é claro. E não podemos, gays ou não, querer nos impor sobre os outros: somos iguais, não melhores. Chama-se civilidade. Não precisamos, porém, modificarmo-nos para melhor passar. Tornarmo-nos padrões. Isto é o mundo. Chama-se diversidade.

Mas será esse tal de “mundo gay” uma casa de braços abertos a todos aqueles que dele precisam? Uma fraternidade unida por laços? Ou há um preço a se pagar por tudo isso?

Tantas perguntas só refletem a velha e constante dúvida: onde eu me encaixo? A que eu pertenço? O que me pertence?

E tais respostas nunca se encontram em mundos ou nos outros. Mas em si. Antes de gays, sejamos humanos. E nos cabe, em nosso dia-a-dia, trabalhar para construir aquilo que acreditamos válido. Antes de julgar o posto, julguemos o que nós postamos. E assim, pequeninamente, construamos nosso mundo. Um harmônico. Verdadeiro. Melhor.

Pessoas do céu e gente da noite

domingo, 6 de julho de 2008

É só mais um rótulo. Um dos milhares que existem. Mais outro desses que insistem em estampar defronte sua cara: Aviso - ele é gente da noite!

Tal título podia ser confundido com alguém taciturno. Quem sabe ao contraponto da experiência: uma certa amargura, já ter passado por tantas decepções que se bloqueara às novas tentativas. Ou o oposto, contaminar-se noite após noite do excesso de oferta nas vivências perdidas que o noturno contém. Rodar de braços em braços festas e festas adentro.

Mas não: são pessoas. Nem o simples, nem o complexo. Apenas o ser. Ser quem se é, fazer-se o que se tem direito e não esconder a cara ou sentir-se diminuído por causa disso.

Fica, porém, o questionamento. Por que quem não esconde a cara e permite-se ser quem verdadeiramente é torna-se alvo constante de críticas, pré-julgamentos ou preconceitos pelos os que não o fazem? Ou melhor, por aqueles não o conseguem fazer?

Talvez porque incomodem. Pertubem a paz por simplesmente estarem. Importunam por o serem. E o que é real transfoma-se em insulto aos disfarces alheios.

Seus passos, outrora seus, animam agora conversas ao pé d’ouvido. É como cedessem parte da sua vida ao público. Sinal que vida eles têm de sobra. Tornam-se públicos sem nem, muitas vezes, terem consciência disto. E, mesmo volutariando-se a tal posição, já pagam por isto sua parcela.

Que apontar o dedo e fazer julgamentos baseados na superficialidade é uma regra de pessoas menos perspicazes, não há dúvidas. Não seria diferente no universo gay. Tais mesquinhos merecem o título que acabam recaindo sobre todos nós – o da superficialidade. Sentenciam o complexo humano ao trivial trio aparência, apetrechos, status.

Existem, porém, os bons. Os régios. E são muitos. Mais do que a campanha adverte. E ao invés de contaminarem-se dessa maldade, endurecerem ou amargurarem-se, preservem a luz. Porque, apesar de muitos tentarem, autenticidade não pode ser facilmente apagada.

E para aqueles cuja única essência conhecida deriva dos eaux de parfum, fica o conselho: parem e observem sim. Mas aprendam como se faz. E melhorem.

Algum orgulho e algo como preconceito

terça-feira, 1 de julho de 2008

Havia música. Gente. Cores. Mas uma sensação de incômodo insistia em permanecer. Era como uma tensão que precede uma agressão. Eu estava ali, cara à tapa. E me senti fragilizado. Como se estivesse dando armas a quem quisesse me ferir. E me via culpado por me encontrar assim. Afinal, era um dia de orgulho. Mas eu me sentia desprotegido, como se a felicidade de ser quem eu era não bastasse. Sim, eu precisava que os outros deixassem eu ser feliz.

E eu estava rodeado de amigos. Caras conhecidas e queridas. Estava amparado. Mesmo assim certo temor persistia: e se? E imaginei como não deve ser esse medo dentro daqueles que assistiam, mas não participavam. Dos muitos que nem chegaram a ir. E até dos machos-alfa que já preparavam as piadas infames a se fazer com seus amigos de fachada para melhor passar. E era um dia de orgulho.

Diante de tantos disfarces, barreiras e temores, o que deveria significar a comemoração de um dia do orgulho gay?

Afinal encobrir-se contrapõe o amor-próprio. E eram muitas as máscaras desfilando: literais e não. Esconder a face pareceu uma boa solução para vários. A lição então, pensei eu, é aprendida antes mesmo de assumir-se: para ser capaz de festejar o que se é ou mesmo frequentar um local onde prevalecem aqueles com o mesmo sentimento, deve-se esconder quem se é, para evitar dores. Será?

Não acredito em uma única resposta ou uma única realidade. Mas acredito extremamente no individual. No indivíduo. Vejo em cada um que ali estava verdadeiramente comemorando, essencialmente sendo o que era, motivo mais suficiente de sentir-se orgulhoso. Se não por mim, por aqueles que já conseguiram isso. São meus iguais. E lutam por mim. Sim, batalham por cada um de nós. Se não consigo ter orgulho, que pelo menos eu tenha vergonha da vergonha. E a minha culpa de sentir-me assim e todas as outras, carrego eu. Creio, porém, que pagamos todos um preço por ela.

A questão resida, talvez, em quando vamos nós lutarmos por si mesmo. Quando faremos nossa parte nesse imenso processo que é impor-se a um mundo majoritariamente diferente.

E a parada talvez sirva pra isso. Para que todos aqueles trancafiados dentro de suas autoprisões possam perceber por alguns minutos como é ser livre das amarras alheias. E que este breve despudor possa contaminar almas afora e, quem sabe, dar-lhes a coragem para viver bem mais que um só dia por ano.